Artigo: As empreiteiras se revezam em consórcios no porto do Rio

Texto de Adriano Belisário

Maior parceria público-privada (PPP) do país, a criação do Porto Maravilha, em 2009, marcou não só o início da transformação da zona portuária no Rio de Janeiro, mas também o fim de uma proposta de transformação da região com foco na participação social e moradia popular. Dona de mais de 60% dos terrenos na região com potencial de construção, a União era uma peça-chave para a reestruturação urbana da área, e, durante seis anos, o Ministério das Cidades liderou o grupo de trabalho dedicado ao tema. No entanto, mesmo com pareceres técnicos e jurídicos favoráveis, tramitação avançada nos governos municipal, estadual e federal, a proposta de criação de um consórcio público para a reabilitação da área foi descartada para surpresa de quase todos os envolvidos no processo.

Em vez dela, foi adotada a atual proposta, cujas principais diretrizes foram elaboradas e executadas pela OAS, Odebrecht e Carioca Christiani Nielsen. São 5 milhões de metros quadrados que englobam três bairros inteiros – Santo Cristo, Gamboa e Saúde – e incluem outros quatro. As empreiteiras se revezam em consórcios naquela área. Além das duas fases do Porto Maravilha, que juntas receberam investimentos de mais de R$ 10 bilhões, as mesmas empresas ganharam outros editais para atuar na região, como as obras do programa Morar Carioca (R$ 32 milhões) e a PPP para operar o veículo leve sobre trilhos, o VLT (R$ 1,1 bilhão).

Após a decisão de 2009, o Ministério das Cidades – criado no início do governo Lula com a missão de impulsionar políticas de desenvolvimento urbano e habitação com inclusão social – foi afastado das negociações. Aos poucos o desenho atual do porto foi tomando conta. A Pública reuniu relatos de ex-funcionários envolvidos nas negociações para contar como aconteceu o triste fim de um dos principais projetos do ministério.

O retrato da situação fundiária antes do Porto Maravilha mostra a predominância de imóveis públicos na região. Apenas 25% da área eram terrenos privados. Estado e município detinham aproximadamente 6% cada um. Todo o restante pertencia à União. O mapa e os dados foram compilados por Mariana Werneck, cuja pesquisa “Porto Maravilha: agentes, coalizões de poder e neoliberalização no Rio de Janeiro”, será publicada em setembro pelo Observatório de Metrópoles

O retrato da situação fundiária antes do Porto Maravilha mostra a predominância de imóveis públicos na região. Apenas 25% da área eram terrenos privados. Estado e município detinham aproximadamente 6% cada um. Todo o restante pertencia à União. O mapa e os dados foram compilados por Mariana Werneck, cuja pesquisa “Porto Maravilha: agentes, coalizões de poder e neoliberalização no Rio de Janeiro”, será publicada em setembro pelo Observatório de Metrópoles

O Ministério das Cidades posto de lado

Quem visita a zona portuária do Rio de Janeiro logo percebe a quantidade expressiva de grandes galpões e fábricas desativadas. Por outro lado, a região do Porto Maravilha ainda tinha a menor densidade habitacional do município em 2010.

A área do Porto Maravilha equivale a quase um terço do centro da cidade. De acordo com o Censo de 2010, em sua imensa maioria os habitantes da zona portuária são de baixa renda: dos 10.098 domicílios da região, apenas 611 possuem renda maior que três salários mínimos. Entre as favelas, a mais antiga do Brasil, o morro da Providência, reúne a maior parte dos moradores, concentrando 1.237 domicílios.

Com tanto terreno disponível em uma área central e tão poucos habitantes, aumentar o número de moradias sempre foi uma das prioridades das políticas públicas de urbanização para o local. O objetivo era reverter o padrão de ocupação atual: intenso de dia, mas quase deserto à noite e nos fins de semana. Pelo menos desde os anos 1980, há propostas em debate. Já naquela época, a Associação Comercial do Rio de Janeiro apresentou um projeto de revitalização e foi criado o projeto Sagas para garantir o uso residencial, bem como preservar o patrimônio arquitetônico de bairros do local.

Conforme levantamento feito por Mariana Werneck, apenas 25% da área da região eram terrenos privados. Estado e município detinham aproximadamente 6% cada um. Todo o restante pertencia à União. Por isso, com a criação do Ministério das Cidades em 2003, abriu-se um novo capítulo dessa história. O novo órgão liderou, no governo federal, a busca de soluções para o porto do Rio, em especial por meio do Programa de Reabilitação de Áreas Centrais da Secretária Nacional de Programas Urbanos, que previa a reabilitação através da moradia no centro das cidades brasileiras. Surgiu ali a proposta de criação de um consórcio público, composto pelos três níveis de governo, responsável por conduzir a reabilitação da região. A prioridade eram a participação e a permanência da população local, além da produção de habitações de interesse social nos imóveis públicos edificados.

“Foi feita uma série de contratos com especialistas para a modelagem de governança e jurídica. Investiu-se cerca de 300 mil reais em consultorias. Em agosto de 2009, estávamos no final do processo”, lembra Renato Balbim, geógrafo e ex-coordenador do Programa de Reabilitação de Áreas Centrais do Ministério das Cidades. Na época, a zona portuária do Rio de Janeiro era a principal aposta da pasta para moradias em áreas centrais. Representada por Lula, o ex-governador fluminense Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes, a aliança entre PT e PMDB propiciou um alinhamento político entre os três níveis de governo, dando novo fôlego ao antigo plano de reabilitação do porto.

No dia 23 de julho de 2009, a primeira fase do Porto Maravilha foi lançada. Houve cerimônia pública e presença de autoridades. O então presidente Lula garantiu: “Não faltarão recursos para concluirmos essas obras”.

“Todas as etapas de redação e validação das minutas já tinham sido superadas nos três níveis de governo. Estava tudo muito bem estruturado, inclusive politicamente, para fazer a assinatura do documento que oficializaria a minuta do consórcio [público], a ser aprovada posteriormente nas câmaras legislativas dos três entes”, diz Balbim. “Faltava apenas a última reunião para bater o martelo sobre a concordância política final”, recorda.

A tal reunião ocorreu semanas depois na Casa Civil, em Brasília, e contou com a presença de Eduardo Paes para, enfim, formalizar a proposta. Balbim resume a surpresa dos técnicos do ministério ouvidos pela Pública: “Entramos em uma reunião para dar o passo final, tomar decisões de encaminhamentos, e já era um clima de fim de feira. Ela se encerrou sem definições e depois disto a coisa morreu”.

“Apesar de até então tudo indicar que o consórcio público tinha total aprovação dos três níveis, simplesmente de um dia pro outro percebemos que não iria mais se levar adiante essa modelagem. Foi uma decisão cuja explicação escapa à área técnica”, lamenta Balbim.

Fonte: Agência Pública (rede de jornalistas progressistas e independentes)


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Mery Bahia